Espera-se assim, que o conjunto destas normas de índole administrativa, civil e penal, aplicadas conjuntamente, tenha o condão de contribuir com a redução deste perverso estado de coisas em que mulheres seguem sendo vítimas de violência moral, física, sexual, psicológica e patrimonial, atos estes, indiscutivelmente, atentatórios e vilipendiadores da dignidade da pessoa humana.
A violência doméstica e familiar no Brasil é um tema por demais constrangedor, eis que os registros deste tipo de ilícito posicionam nosso país num quadro de desalento, na medida em que ostentamos a triste marca de 5° país do mundo com maior número de feminicídios.
Ademais, outros fatores negativos podem ser enunciados, sobretudo nestes tempos de pandemia, visto que os dados apontam que somente no primeiro mês de quarentena, as denúncias de agressões contra mulheres tiveram uma alta de 40% em relação ao mesmo período de 2019; no mês de março, período que demarcou o início do isolamento social, esse tipo de violência teve um avanço de quase 18% e o ápice da violência contra mulheres, assim identificado como o feminicídio, teve alta de 22% durante a quarentena.
Não há dúvida que, a despeito dos fatores negativos em relato, há aspectos positivos que merecem destaque, no que podemos citar, especialmente, o advento da lei 11.340 de 2006, cuja alcunha recebe o nome de “Lei Maria da Penha”, reconhecida no âmbito da Organização das Nações Unidas como a 3ª melhor legislação de combate à violência doméstica do mundo, a criação de centenas de delegacias da mulher e de varas judiciais especializadas no processamento e julgamento de crimes de violência doméstica e familiar, a criação de casas abrigo em todo o país, a imposição de milhares de medidas protetivas, dentre outras ações que confirmam terem havido avanços, tanto no campo preventivo, como na seara repressiva.
Contudo, seguimos como país, enfrentando um grande desafio de ordem cultural, assim considerado o retrógrado senso comum de profundo e disseminado desrespeito aos direitos fundamentais das mulheres que se torna uma realidade factual, quando passamos a analisar os dados estatísticos correlatos.
Contudo, os índices levaram países a adotar novas medidas de proteção. Países como Espanha, França e Itália, mulheres vítimas de violência foram, com o suporte do governo, levadas para hotéis, para cumprir o isolamento social, bem como aplicativos de celular (apps) normalmente empregados para denúncias de bullying e venda de drogas, passaram a ser utilizados para informar eventos de violência doméstica.
Em nosso país, além da criação de programas governamentais voltados para a prevenção desse ilícito, apresenta-se como uma ferramenta adicional de auxílio à profilaxia social, o projeto de lei 2.510 de 2020, de autoria do Senador Luiz do Carmo, onde o parlamentar propugna a alteração da lei 4.591/64, o Estatuto dos Condomínios” e do Código Civil, na parte que se refere ao condomínio edilício, para estabelecer o dever de condôminos, locatários, possuidores e síndicos, informar às autoridades competentes os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher de que tenham conhecimento, no âmbito do condomínio, de modo a propiciar a repressão e a investigação destes mesmos fatos.
Descumprida a obrigação, pode o síndico ou o administrador ser destituído da função e penalizado com multa o condomínio. O mesmo projeto de lei admite a possibilidade de o síndico vir ainda a ser processado criminalmente como incurso no crime do art. 135 do Código Penal – omissão de socorro – criando para a pessoa do gestor condominial, uma causa de aumento de pena da ordem de um terço, para as situações em que a conduta negativa do responsável legal do condomínio possa guardar relação com a situação de violência doméstica ou familiar praticada contra a mulher.
Uma vez vigente tal novel disposição legal, passaremos a ter mais um mecanismo para auxiliar no processo de rompimento daquilo que a pesquisadora e psicóloga Lenore Walker denomina de “ciclo da violência do relacionamento abusivo”, denominação esta que se apresentou como resultante da realização de estudos dos quais fizeram parte mais de 1.500 mulheres que confirmaram terem sido vítimas de abuso psicológico ou de agressões físicas em ambiente conjugal, em 1979.
No Brasil, pesquisas realizadas sobre este tema demonstram que, segundo a opinião pública, as mulheres ficam na relação e não abandonam o lar por “gostarem de apanhar” (65%); já quando se ouvem as mulheres, vítimas de agressões, a maioria afirma que permanece junto ao cônjuge agressor pelo fato de temerem pela prática de atos de vingança e de represália, contra ela mesma e/ou contra os filhos.
A possível alteração da legislação civil, vem, portanto, em boa hora, também porque, diversos estados da federação já vinham criando leis regionais, estabelecendo multas aplicáveis a condomínios quando da inércia de seu responsável legal – o síndico – em levar o fato abusivo, a ”notitia criminis”, ao conhecimento das autoridades públicas.
Espera-se assim, que o conjunto destas normas de índole administrativa, civil e penal, aplicadas conjuntamente, tenha o condão de contribuir com a redução deste perverso estado de coisas em que mulheres seguem sendo vítimas de violência moral, física, sexual, psicológica e patrimonial, atos estes, indiscutivelmente, atentatórios e vilipendiadores da dignidade da pessoa humana.
Fonte: Migalhas Uol (ADAPTADO)